“Romeu e Julieta” em um mundo de preconceito racial

“Se a rua Beale Falasse”, livro de James Baldwin que inspirou filme homônimo, narra história de amor perseguida por todos os lados

Admirável Mundo Livro
3 min readMar 16, 2021
O escritor James Baldwin

A história de Romeu e Julieta se tornou o arquétipo de um jovem casal de amantes cuja inocência é esmagada pelo ódio do meio circundante. No caso da peça clássica de Shakespeare, o ódio em questão é a inimizade implacável entre as duas famílias às quais os enamorados pertencem. Na bela e ao mesmo tempo melancólica novela Se a Rua Beale Falasse (Romance. Tradução de Jorio Dauster, 224 páginas), de James Baldwin, que em 2019 ganhou adaptação para o cinema dirigida por Barry Jenkins (Moonlight), o ódio não é apenas familiar, mas vem de toda parte, das famílias, da religião e, principalmente, da sociedade e das instituições.

Se a Rua Beale Falasse é a história de amor entre os jovens Trish, de 19 anos, e Fonny, de 22, residentes no bairro nova-iorquino do Harlem no começo dos anos 1970. Amigos desde a infância (Fonny, às turras com a própria família, incluindo aí sua mãe, fervorosamente evangélica, passa mais tempo na casa de Trish do que na própria), ambos começam uma história de amor repleta de boas intenções, mas que logo se vê desafiada.

Intenso, sem educação formal mas com um temperamento artístico, Fonny se vira como pode em subempregos enquanto se dedica à noite a fazer esculturas. Mais jovem e apaixonada, Trish adora o namorado, e ambos estão de casamento marcado quando Fonny é acusado do estupro de uma mulher porto-riquenha.

As provas contra o rapaz são circunstanciais, os testemunhos são vagos, mas por trás da história há a sombra de um policial racista que parece orquestrar a acusação e enquadrar as testemunhas. Fonny é levado à prisão esperando julgamento no exato momento em que Trish descobre que está grávida, e a maior parte do livro se dedica a narrar a luta dela e de sua família para tentar provar a inocência do jovem.

Negro, homossexual e uma voz que nunca deixou de ser combativa, Baldwin (1924–1987) foi um dos maiores escritores do século 20 — não pelo seu ativismo, mas pela forma complexa como seus livros, escritos com uma linguagem de alta densidade poética e uma invejável elegância, encenam questões essenciais da integração do indivíduo a uma estrutura montada para repeli-lo. Ele também retrata as tensões raciais e sociais que ferviam por baixo da autoimagem americana. Seus dois principais romances, Terra Estranha e O Quarto de Giovanni, foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras, que agora também esta novela.

Baldwin também esteve nos cinemas em 2018 com o elogiado documentário Eu Não Sou Seu Negro, baseado em seu livro inacabado sobre as mortes de líderes ativistas afro-americanos. Se a Rua Beale Falasse, narrado em boa parte pela voz de Trish, tem como mérito oferecer uma visão ao mesmo tempo pessoal e profundamente social do racismo. E é um ótimo começo para descobrir a força de sua prosa.

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Livros, autores e leituras pelo crítico, jornalista e escritor Carlos André Moreira

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