Tradutor de Joyce, Caetano Galindo estreia na ficção com livro de contos
“Sobre os Canibais” reúne 42 histórias curtas centradas na experimentação da linguagem
No título e em uma epígrafe, Sobre os Canibais, a estreia na ficção de um dos maiores tradutores em atividade no Brasil, Caetano W. Galindo, presta tributo à ensaística do francês Michel de Montaigne (1533–1592), que aproveitou a visita à França de três índios brasileiros nativos para tentar imaginar o que haveria de tão diverso entre os europeus ditos civilizados e os assim chamados “selvagens” do Novo Mundo.
A filiação fica clara também na minúcia com que Galindo, ao longo de 42 textos breves, às vezes brevíssimos, se dedica a experiências intelectuais com a forma do conto, com a linguagem da prosa, com a reprodução da oralidade contemporânea. Em vez, entretanto, de usar como ferramenta a consciência ultraintelectualizada que servia a Montaigne, Galindo, com a liberdade da ficção, arrisca ser outros, outras vozes, outros dilemas, muitas preocupações.
Doutor em Linguística e professor da Universidade Federal do Paraná, Caetano W. Galindo tem uma vasta experiência em traduções para o português de obras de um rigor experimental exigente, como Ulysses, de James Joyce, Vício Inerente, de Thomas Pynchon, e Graça Infinita, de David Foster Wallace. Galindo também incorpora influências de alguns desses autores, do tom analítico de muitas narrativas até a precisão e a inventividade dialetal das histórias em primeira pessoa.
Os contos de Galindo são minuciosas análises de momentos. Mesmo quando os contos têm uma narrativa que se espraia por anos, ela é composta por fragmentos de instantes em pontos diversos do tempo, como uma das mais belas histórias do volume, Tudo ou Nada, em que o narrador rememora quatro momentos distintos de sua relação com a mãe. Outros contos são espalhados pelo livro como episódios distintos, como Juvenal (aliás, uma referência a um autor que Montaigne de fato cita em seu ensaio original Sobre os Canibais), composto por curtos depoimentos de personagens diferentes sobre um mesmo homem já falecido, espalhados em pontos diversos do livro. Um artifício que o autor usa de forma ainda mais ousada no conto Nosferatu, composto de quatro vinhetas apresentadas fora de ordem no volume.
Na descrição, parece mais complicado do que é. Na verdade, um dos elementos mais impressionantes do livro é como, no meio de tantas experiências marcadas pelo rigor da forma e pela exatidão da linguagem, os contos de Sobre os Canibais ainda encontram espaço para criar comoção sem pieguice.